Uma história vou contar,
Quero aqui pedir licença.
Esse conto é muito antigo,
Não tem crença nem descrença.
Tem aqui ao seu dispor,
Acredite meu leitor,
De bom humor a presença.
Já começo apresentando
Dona Tonha a fazendeira.
Seu nome é Maria Antônia,
Ela foi única herdeira
Da fazenda de seu pai,
Ela de lá nunca sai,
É muito trabalhadeira.
Seus filhos são bem crescidos,
Moram todos na cidade,
Muito Antonia trabalhou
Pra que desde a mocidade
A sua prole estudasse,
Nada deixou que faltasse,
Não mediu dificuldade.
Quem ajuda Dona Tonha
Nos trabalhos da fazenda
É seu marido, Manéca,
Com eles não há contenda.
Quando falta algum dinheiro
Chamam logo Seu Pinheiro
E seus porcos põem à venda.
Pinheiro é negociante,
Às vezes cambalacheiro,
Conhecido na cidade
Por ter muito forte cheiro,
Não gosta de tomar banho,
É um homem muito estranho,
Por muitas vezes grosseiro.
Cada um com seus costumes.
Tem os seus a Dona Tonha.
Um deles é não usar,
Mesmo que o marido imponha,
Nada por baixo da saia.
Ele fica de tocaia
Pra que ela não se exponha.
Diz ela que não precisa
Pois só põe saia comprida
Inda usa um avental.
Quando aos porcos dá comida
Sempre diz para uma amiga
Que calçola é inimiga,
Muito atrapalha na lida.
Pra comprar uma moenda
Seu Pinheiro eles chamaram.
Resolveram vender porcos,
Para ele avisaram.
Ele foi oferecendo,
O preço sempre dizendo,
O que todos estranharam
Mesmo assim lá na fazenda
Muitos foram procurar,
Chamando por Dona Tonha
Querendo porcos comprar.
Quando o preço ela dizia,
O povo logo pedia
Para o preço ela baixar.
Mas por nada nesse mundo
Que Dona Tonha baixava
O valor que combinou.
Seu Manéca reclamava:
- Minha véia tu te emenda,
Pra comprar nossa moenda!
Mas, a Tonha nem ligava.
Dizia com altivez:
- Oh Manéca, se atenta,
Nem por nada eu “vô” baixar!
A fazenda se aguenta,
A moenda a gente espera.
Tô cansada, “sô” sincera,
Tá comigo, não esquenta!
Três semanas se passaram,
Nem um só porco vendeu,
Mas ainda decidida
O padre ela recebeu.
Ele pediu que ela desse
Um porco para a quermesse,
Seria um presente seu.
Ela disse: - Seu vigário,
Por favor, me compreenda!
Os meus porcos são bonitos,
Por isso que estão à venda!
Essa história de presente
Não é coisa que se invente!
Faça então sua encomenda.
De longe estava Manéca
De olho em sua mulher,
Negociando sozinha,
Ninguém metia a colher!
Pois ficava ela nervosa,
Decidida e nada prosa,
Ao impor o que bem quer.
Mas o papo com o padre
Muito estava se alongando,
Enquanto cuidava os porcos
Os dois iam conversando.
De repente um imprevisto,
Aconteceu um malquisto,
Tonha acabou se sujando.
- Mas que grande porcaria! -
Disse Tonha revoltada,
Limpando as mãos no avental.
Manéca com sua olhada
Percebeu um acidente...
O padre rangeu o dente...
Tonha não percebeu nada!
Seu Manéca de onde estava
Começou a chamar Tonha
E gritava: - Abaixa isso!
Tonha disse: - Não se imponha!
O que não sabia ela
Era a tal da esparrela
Que virou pouca-vergonha.
Manéca gritava: - Abaixa!
E Tonha dizia: - Não!
O padre ficando tonto
Palpitava o coração:
- Abaixa isso comadre!
- Eu não baixo nem que o padre
Caia duro nesse chão!
Pondo as mãos sobre a cabeça
Manéca vinha correndo,
Pra ajeitar o acontecido
Que Tonha não estava vendo.
O seu padre esbugalhado,
De estômago embrulhado,
Acabou desfalecendo.
O pobre padre, caído,
Tonha sem entender nada,
Olhou para o seu marido
Que a chamou de amalucada.
Esbravejou furioso,
Com seu ar impetuoso:
- Fia da pexte, endiabrada!
Fica “andano” sem “carçola”,
O avental pregou na saia,
Mostrou tua cabeluda,
O pobre padre desmaia!
Como vamos sair dessa?
Tu não tens juízo, ôh messa!
Parece uma marafaia. −
Dona Tonha olhou pra si
Então se desesperou,
O avental grudou na saia
E a saia levantou,
Só então que percebeu
Por que o marido correu
E o padre desmaiou.
Ficou muito envergonhada
Vendo o padre ali caído.
Foi em casa pra vestir
Calçola sob o vestido.
Quando o padre se acordou
Todo troncho, levantou.
Disse: - Isso será punido!
Tonha muito inteligente,
Já vestida com calçola,
Foi na cozinha buscar
Um prato de mariola,
Pegou no quarto um tecido,
Esse guardava escondido
Bom de fazer uma estola.
Quando chegou à varanda
Pronto para excomungar,
Dona Tonha ofereceu
Quitutes para acalmar,
Quando a mariola viu
O padre já sucumbiu,
Começou a perdoar.
Enquanto o padre comia
Tonha mostrou-lhe o tecido
Para fazer a estola.
O padre, compadecido,
Nem pensava na esparrela
De ter visto as partes dela,
Por isso, ter sucumbido.
Romualdo, padre esperto,
Planejou como ganhar
Um porquinho pra quermesse
Sem tostão nenhum pagar.
Viu em Tonha a cor da culpa,
Pra aceitar sua desculpa,
Pensou em se aproveitar:
- Dona Tonha, minha filha,
Veja bem o meu conceito.
Eu sei da sua inocência,
Mas foi falta de respeito.
Ver a sua cabeluda
Deixou minha reza muda,
Deu palpitação no peito!
Tonha olhou para o marido,
Vermelho de envergonhado.
Pensou em resolver tudo
Com um plano articulado:
Dava um porco de presente
E o padre, evidentemente,
Sairia consolado.
Caro leitor veja só:
Manéca tanto avisou
Pra mulher se vestir bem,
Mas ela nunca ligou!
Foi assim que Dona Tonha
Além de passar vergonha,
Sem seu porquinho ficou.
Bem! Depois daquele dia
Não andou mais sem calçola.
Ouviu mais o seu marido,
Aquilo serviu de escola.
A moenda pra fazenda
Ganhou na rifa da venda,
O que muito lhes consola.
Há males que vem pra o bem!
É um ditado popular,
Quem aprende com seus erros,
Nisso pode acreditar:
É errando que se aprende,
Acertando a gente entende
Que pra frente tem que andar.