O dia chegou chuvoso,
O frio veio matando,
Saí mais que decidido,
Ansiedade aumentando,
Enquanto andava na rua
O meu plano ia bolando.
Era uma coisa engenhosa
Aquela que eu planejava,
As horas iam passando,
Mais e mais eu me apressava,
Chegar à Caixa Econômica
Era o que mais desejava.
Cheguei no caixa eletrônico
Digitei os numerais,
Dinheiro caiu depressa
Em 12 notas iguais,
Conferi minhas finanças,
Eram 600 reais.
Com aquela dinheirama
No pedaço eu era o tal,
Agora estava abonado
E tinha a prova cabal,
Dobrei as doze notinhas
Do Auxílio Emergencial.
Este valor tão singelo
Que o governo me ofertou,
Foi um presente dos deuses
Que do Olimpo chegou,
Justo reconhecimento
A quem nunca trabalhou.
Eu, que no meu pensamento
Tinha tudo planejado,
Na venda de Zé Pequeno
Fazer um grande fiado,
Desisti, mudei de ideia,
Agora estou abonado.
Logo eu, que nesta vida
Jamais ganhei um tostão,
Não tenho Bolsa Família
Nem Auxílio Reclusão,
Também nunca dei um prego
Numa barra de sabão.
Chamei logo um mototáxi
Indiquei o endereço:
É na Rua do Mercado,
Não vá me enrolar no preço,
Não dá trabalho nenhum,
Fica logo no começo.
Chegando no ambiente
Agradeci ao rapaz,
Nem quis saber o valor
Da corrida que ele faz,
Dei uma nota de 10
Ele nem olhou pra trás.
Procurei logo uma mesa
Bem no canto da parede,
Fui dizendo bote uma
Que hoje eu estou com sede,
Ligue a TV no programa
De Eliane Catanhede.
O garçom veio servir
Coca Cola com cachaça,
Sou um sujeito de paz
Que não entra em arruaça,
Mas gosto de companhia,
Beber sozinho é sem graça.
Dei garra do telefone,
Daqueles de banda larga,
Notei que não tinha saldo
Mandei fazer a recarga,
Pois para quem tem dinheiro
Não existe vida amarga.
Fiz logo uma ligação
Para um amigo leal,
Atendeu do outro lado
Reconheceu meu sinal,
Em menos de 10 minutos
Ele chegou no local.
Arlindo era meu parceiro
Antigo de bebedeira,
Sexta sábado e domingo,
Até na segunda-feira,
Excelente companhia,
Um colega de primeira.
Fui dizendo Zé Pequeno,
Feche a entrada da venda,
O ferrolho e a tramela,
Hoje vou dar na emenda,
Bote cachaça pra dois
E mais esse "mói de quenga".
Porém havia um detalhe
Que muito preocupou,
Mas foi logo resolvido
Quando uma dupla chegou,
A presença feminina
O ambiente alegrou.
Eram duas raparigas,
Uma loira outra morena.
A morena era mais alta
E a loira mais pequena,
Daquelas que a morte mata
E depois chora com pena.
Pedimos pra tira-gosto
Meio prato de pitu,
Cem gramas de peixe assado,
Duas bandas de caju,
Quatro doses de Teimosa
Com caldo de sururu.
Dali a pouco uma briga,
Um bate boca de alguém,
Fiquei na mesa sentado
Por ser um cara de bem,
E não vou ser testemunha
Da briga de seu ninguém.
Zé Pequeno interferiu,
E naquela mesma hora
Pediu por todos os santos
Para que eu não fosse embora,
Pegou os dois valentões
Botou de casa pra fora.
E o tempo foi passando,
Só Arlindo e eu na fita,
Contando assim desse jeito
Sei que ninguém acredita,
Tira-gosto de primeira,
Cachaça e mulher bonita.
Nossa mesa estava em paz
Até chegar um sujeito,
Um vendedor de CD
Sorridente e satisfeito,
Em seu comércio ambulante
Vende na raça e no peito.
Tinha Guilherme e Bento,
Márcia Felipe e Pixote,
Kart Love e Arthurzinho
Que andam juntos, de magote,
Mané da Caneta Azul
Também vinha no pacote.
Jailton, Gustavo Lima,
Que eu pago pra não ver,
Mais um monte de tranqueira
Que o povo não quer saber,
Um tal de Renato Prado
Que bebe pra esquecer.
As duas gatas queriam
Brigar por causa daquilo,
Comprei um kit completo
Pra ficar tudo tranquilo,
Mais de 10 CDs piratas
Dos que se compra por quilo.
O mundo anda e desanda
Já dizia minha avó,
Quem nasceu do pó da terra
Há de retornar ao pó,
Fui pensando cá comigo
Melhor ter ficado só.
A morena foi dizendo
Lá em casa faltou pão,
Ontem não teve farinha
Nem arroz e nem feijão,
Se tiver algum trocado
Ponha aqui na minha mão.
A loira disse eu também
Me encontro na mesma lida,
O colchão está rasgado,
A rede toda encardida,
Já estou desesperada
Não sei que fazer da vida.
Quem me conhece tem pena,
Lamenta a situação,
Minha filhinha pequena
É de cortar coração,
O pai não fala comigo
Nem quer pagar a pensão.
Dei-lhes 50 reais,
Mandei que fossem comprar
Feijão arroz e farinha
E mais o que precisar,
Na mesa em que eu estou
Ninguém pode reclamar.
Uma disse é muito pouco,
Não dá nem pra começar,
Vou precisar de Havaianas,
As minhas vão se quebrar,
E minha amiga também
Não vai ficar sem calçar.
Tem o dinheiro do táxi,
Pra quando voltar pra casa.
Estou ficando cansada,
Os pés já estão em brasa,
Se for pra sair voando
Não posso, não tenho asa.
Fiz as contas, mais ou menos
Cem reais era a despesa,
Peguei duas de 50
Botei em cima da mesa,
Cinquenta pra cada uma
Por usarem de franqueza.
Mandei tirar as garrafas
Logo o garçom atendeu,
Trouxe-me a conta eu paguei,
Duzentos foi quanto deu,
Mas faltava a saideira
E dali ninguém correu.
Passado o pano na mesa
A coisa mudava o tom,
Ordenei mais que depressa
Agora que vai ser bom,
Hora de lavar o fato
Traga cerveja garçom.
Passava de meio-dia,
Nova rodada chegou,
Daquela hora em diante
Muita cerveja rolou,
Vejam agora o relato
De tudo que se passou.
Eu já meio embriagado
O meu amigo também,
A essa altura o dinheiro
Não se sabe quanto tem,
Quanto mais bebe mais gasta,
Ninguém é mais de ninguém.
Comecei a cochilar,
Arlindo também dormiu,
Sem tomar prumo de nada
Minha riqueza sumiu,
Procurei pelo dinheiro
Ninguém soube, ninguém viu.
Para encurtar a história,
Acordei no outro dia
Com uma sede danada
Mais a barriga vazia,
Situação desgraçada
Era o que o povo dizia.
Com a cabeça rodando,
Tamanho de um caçuá,
O corpo suando frio
Como quem vai desmaiar,
E sem ninguém que fizesse
Nem um Caldo de Pará.
Procurei um comprimido
Para curar a cabeça,
Uma banda de Dorflex
Arlindo me disse esqueça,
A ressaca já foi feita
Para que a gente padeça.
Depois de u'a meia hora
Bate à porta um camarada,
Dizendo: lembra a corrida
Que eu fiz de madrugada?
O senhor e seu amigo
Transportei sem cobrar nada.
Mas o senhor fez questão
Que eu viesse receber,
Porque só dessa maneira
Poderia agradecer,
Seria remunerado
Se quizesse aparecer.
Isso não será problema,
Pode ficar descansado,
Já vi que o senhor se encontra
Um pouco desabonado,
Um amigo ajuda o outro
Quando vê aperreado.
Contei então minha história,
A situação real,
Como gastei os 600
Da ajuda federal,
Só daqui a 30 dias
Terei outro capital.
Chamei então meu vizinho,
Um garoto já taludo,
Disse faça-me um favor
Depois lhe pagarei tudo,
Vá comprar água pra mim
Traga também um canudo.
Vá na venda de Pequeno,
Um pé na frente outro atrás,
Diga a ele que me mande
Umas três águas com gás,
Anote lá no caderno
Naquela folha de trás.
Dali a pouco o menino
Voltou todo apavorado,
Olho saindo da caixa,
Falando todo afobado,
Aquele filho da puta
Diz que não vende fiado.
Disse eu, meu amiguinho,
Isso é coisa que acontece,
Quanto mais a gente faz
É bem menos que merece,
Você dá mundos e fundos
E o povo não agradece.
Ouça o que vou lhe falar,
Leve em consideração,
Quando gastar seu dinheiro
Guarde sempre algum tostão,
Pra não não ficar como eu
Num sofrimento de cão.
Tome cuidado ao beber
Com uma gentil donzela,
Não se encha de prazer
Nem vá na conversa dela,
Ou vai provar como eu
Boa Noite Cinderela.